sábado, 25 de agosto de 2012

ESTAMPADO NA PELE

Foto - Mario Cravo Neto
Entre o arrependimento e a certeza, sempre preferiu o risco. Olhou no fundo do copo para encontrá-la. Encheu a boca para sentir seu gosto mas só o álcool forte falou na língua. Tinha gosto de barato. Queria matar com veneno de bar derramado em dosadores de mil gotas o que restou dela em seu corpo.

Ela tinha estampado letras na história dele como unhas na carne. Marcas com desenho permanente de uma noite de raiva. Tatuagem. Saudade a gente só tem do que é bom.

Hoje estavam livres do sorriso de todas as promessas eternas que haviam deixado de cumprir. Espalharam pelo mundo e pelo rosto. Desperdiçaram. Pouparam-se para aproveitar mais tarde.

Música, fumaça e álcool. Combinação perfeita para lembrar e deslembrar dos dois. Continuava esperando no tempo se escondendo dele mesmo entre os rins dela. Agonia. Aflição. Angústia. Falta de ar na garganta até voltar a respirar sorrindo o arrepio na espinha. Cicatriz. As conversas do silêncio do toque recriavam o gemido dos dois.

Queria acreditar sem se mover, mas precisava fechar os olhos. Ouvir noite com letras sussurrando palavras, derramando histórias. Assistia seu nervosismo no espelho na hora de dizer boa noite em cinco lágrimas do vidro. Queria se acalmar dele mesmo para poder encontrar os olhos dela no sono que não dormia mais.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

CALAFRIO

Foto - Nair Benedicto
A nuca estava na fechadura da porta de entrada. Não teve tempo de cair por completo. O cachorro dormia e o violão silenciava no recamier. Do lado direito cavalos carvão davam o tom cinza. Na parede do lado esquerdo o branco e preto. Pensou em palmas puxando forte a alça de tara para encostar a barba atrás do brinco e falar todas as coisas mais baixas que imaginava fazer com ela. Sussurrar “baixices” dentro dos ouvidos. Arrepiar todos os pêlos e inundar alguns. Pecados, perversões, tesão, respiração. Não precisava precisar mais.

Se jogou na poltrona de solteiro que ficava exatamente a quase meio passo do bem-vindo e tentou pentear os braços. Recostou, respirou fundo e tirou da gaveta da mesa de centro que ficava no canto, um cigarro de roça. Não tinha isqueiro. Não ia sair dali e tragou apagado mesmo. I hope that I don't fall in love with you (1) repetia tocando na cabeça. Queria não querer tanto. Pedia que a música abaixasse lentamente para que aparecessem os letreiros. Esperava poder se esconder dela exatamente entre os seus rins, e então passear o gosto no rosto para nunca mais esquecer o arrepio que sentiu na alma. Metade dela na boca e a outra metade espalhada no colchão.

Todos os seus vícios corriam sempre para o pedaço do mesmo mundo, aquele que sorria alastrado em beijos e passeios arrepiadores de vértebras. De dar nó nas costas. Eriço que começa na base da coluna e sobe pelo resto do corpo, contorcendo para sacudir a vontade para fora. Frio, medo e o toque das pontas dos dedos deslizando devagar pelo ar dos cabelos do desenho de corpo. Calafrio.

Senhor absoluto das suas vontades e desejos, mentia para dentro e a falta só aumentava pelo excesso dela na cama dele. Aceitaria ser chamado de canalha em seu chão, pois o suor das baixezas seria o menor dos líquidos dos dois. Precisou morrer de si para ser feliz adorando todas as mulheres no escorrer daquela uma.

(1) Espero não me apaixonar por você – música de Tom Waits

terça-feira, 7 de agosto de 2012

OLHO SECO

Tinha medo de chorar. Respirava fundo com a mão na cabeça pensado no que já tinha virado fato de sonho. Olho seco. Não produzia água nos olhos. Não chorou mortes, não chorou amigos, preferiu bebê-los. Não tinha reação à possibilidade de ganhar uma perda. Psicopatia ou excesso de sentimento?

Afundou suas emoções na água salgada e jogou praia em cima. Gostava de visitar de vez em quando. Era lá que fugia do olho do ombro que encaixava para escorrer. Foi prá lá que fugiu.

Havia se livrado das perguntas dele mesmo. Síndrome de Burnout queimava. Exaustão emocional. Insensibilidade a tudo e a todos. O fogo na casca consumia percepção, anseio e emoções. Faltou energia. Acabou a pilha.

Cacto. Mescalina. Indutor de ilusões, visões e profecias. Transe temporário controlado. Panacéia. Remédio para todos os males. Dentro do estômago um protetor que aconselha e responde todas as perguntas.

Cultivou saudade e colheu o gosto permanente do vazio em sua cama. Escolheu não pedir, mas a fantasia dele mesmo não servia mais. Soberano das suas mentiras, engolia verdades, e mesmo assim resolveu não chorar, simplesmente porque preferia sentir medo.