quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O FIM (ENFIM)

A cabeça era absolutamente perturbada. De vez em quando não fazia sinapse completa. Faltava alguma informação. O impulso elétrico só chegava pela metade.

A cabeça era absolutamente perturbada simplesmente porque não parava de funcionar. Vinte e quatro horas por dia. Sete dias por semana. Omaha? Em algum lugar no centro da América do Norte. A maior cidade do Estado de Nebraska. Porque sabia aquilo não sabia.

O pensamento não funcionava em linha reta. O de ninguém funciona. Naquela cabeça era impossível alguém no mundo ter um pensamento em linha reta durante todo o dia. No meio de um pensamento dá vontade de tomar coco. Talvez para algumas pessoas dê vontade de tomar água, mais normal, mas mudam um raciocínio de pista porque outro aparece atropelando. Porra! É normal!

Não precisava convencer ninguém. Mentira dele para ele. Precisava convencer o mundo de que estava certo. De quê, era o mistério. A busca. A necessidade de assimilar informação. Mas estava certo. Sabia que estava.

Olhou o maço de cigarros em cima da mesa. Num acesso de raiva com ele mesmo havia esmigalhado o isqueiro na parede. Antes o isqueiro que o relógio, ou o celular. Já havia arremessado uma boa meia dúzia de celulares na parede. Sentia que lhe fazia bem extravasar. Não ia descer as escadas para acender no fogão. O isqueiro que tinha acabado não fazia fogo, mas fazia faísca. A vontade de fumar não era tão grande.

Quase se sentiu sozinho, mas lembrou dela, e se lembrou do porque estava ali sentado em frente à máquina velha, com uma folha de papel em branco espetada. Ia escrever uma carta para ela e enviar pelo correio. Mania de papel. Enviar uma carta era muito mais fascinante que enviar um e-mail. Tinha selo. Dava para pegar.

Sentia pena de si, escravo e vítima de sua loucura e impotência. Havia perdido sua única vitória. Orava a alguém que não ouvia, pedindo que o resto de sua vida fosse passado num mundo paralelo ao seu.

Bem ali, olhando o alvo ele girou o rolete da máquina algumas vezes porque na sua cabeça doida, naquele momento bom mesmo era começar pelo final. Ansiedade de terminar para poder escrever outra carta, começando também pelo fim. Já tinha uma resma delas. Finalizadas, envelopadas e seladas prontas para enviar. Correspondência simples composta de um envelope doze por sete, selado até dez gramas e uma folha A4 de papel sulfite datilografada a quatro dedos do pé da página: Ter o dedo no gatilho é coragem, covardia é atirar.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

EU NÃO A SUPORTO MAIS (ADEUS)

*em homenagem aos 458 anos da cidade de São Paulo

A cada dia ela parece pertencer cada vez mais aos outros e menos a mim. Possessividade entranhada entre os músculos dos nascituro. Talvez eu não a queira mais, talvez a esteja perdendo em algum lugar do meu corpo.

Lembro que quando as luzes acendem, por um momento ela respira menos ofengante. Mas basta o primeiro estampido para ela voltar ao estado de alerta absoluto. Loucura controlada, ou quase.

Uma relação de ódio se instalou no meu amor por ela. Não a quero mais, rejeito, abandono, abdico, cedo, recuso, largo. Adeus. Mas é minha, me pertence. Dali vem minha essência, minha ira e minha indescritível idolatria. É claro que é amor.

Está na hora de virar as costas para a porta e caminhar para um lugar menos meu, onde ela fará falta apesar de ainda ser minha. Simplesmente não a suporto mais. Dúvida, ambigüidade, suspeita.

Ela está misturada no meu sangue e filtrada por meu rim. Carne da minha carne que foi transmitida no DNA. É impossível viver um dia sem ela mesmo quando estou longe. Carrego comigo nos bolsos. Em qualquer parte do planeta, do deserto mais árido, às paisagens mais maravilhosas, se movendo apenas para acompanhar o movimento do globo, ela está comigo no pulsar das veias das 6 da tarde.

Passear nela é apaixonante. Cada pequeno beco inacessível que a forma me cria explorador. Amo os espaços vazios, lugares onde passei dentro dela meus maiores prazeres. Suor, tesão, vida.

Aglomeração, gritaria, desconforto, compressão. O latejar do centro nervoso ofegante. Cicatrizes, alimento. O sangue bombeado em alta pressão vinte e quatro horas, ansiedade, aflição e agonia. Ela é louca e obviedades.

Como pode tão ser apaixonante na hora de não olhar prá trás? Declaração de amor às avessas, mas é isso. Na hora de ir por amor irei, mas carregarei minha cidade comigo, pois eu não a suporto mais, mas sem você São Paulo, me desmancho como areia seca num monte de nada.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

FELIZ MAIS DO MESMO?

A cabeça cambaleava de um lado para outro desenhando o infinito. Mão espalmada acompanhando o desenho do rosto, sentindo na cabeça dos dedos os cabelos da cara. Estava só, então passar as duas mãos na cabeça e no rosto não era sinal de desespero, era autocafuné.

Respirou fundo e abriu os olhos. Balançou o pescoço de um lado para outro quase fazendo as orelhas ouvirem as clavículas gritando estalos.

A música não estava agradando. Procurou alguma coisa mais “swingada”. Era complicado fazer um balanço do último calendário. Surpresas do bem que lhe faziam bem. Amigos de sempre. Faltava um. Faltavam alguns. Faltavam dois grandes.

Havia um par de ombros de olhos que mudavam de cor. Estariam ali até o fim dos tempos e aquilo acalmava seu inspirar a ponto de expirar. Sua cabeça não funcionava direito. Não funcionava como as outras.

As vezes escolhia escrever, criar personagens para contar suas histórias. Nem sempre as histórias eram dele. Sempre e nunca eram. As vezes misturava.

Alardeava preferir ter um dia comum depois de outro dia comum. Natal, ano novo, aniversário, mentia que nenhum calendário lhe trazia diferença.

A cabeça cambaleava de um lado para outro desenhando o infinito. Mão espalmada acompanhando o desenho do rosto sentindo na cabeça dos dedos os cabelos da cara, e sabia sorrindo que sem a renovação do ano novo tudo seria complicação inalterável. Não dava para aceitar um continuar em sequencia. Se não houvesse aniversário do ano. Se não houvesse ano novo.

Se o ano não revirasse não haveriam novas esperanças, não haveriam promessas e anseios. Preocupação permanente, estável, inacabável, inflexível, invariável, infindável, depressão.

Sem o transformar da folhinha tudo permaneceria estático, imutável, enjoativo. Seria enfiar a cara num prato fundo de brigadeiro todos os dias.

As luas não mudariam de fase, a vida seria uma lagoa parada. Os ventos levariam ao mesmo lugar e a esperança de renovação morreria sem doze uvas, três caroços de romã ou uma colher de lentilha.

As listas de promessas seriam uma resma de papel branco, os fumantes permaneceriam fumantes, e os abandonados jazeriam definitivamente sós. A balança não reduziria sua escala, e as velas queimariam sem motivo justificado.

As rosas brancas não iriam ao mar, sete ondas morreriam tristes na praia, o vinho de bolhas quedaria estático nas prateleiras e o horóscopo chinês teria apenas um signo.

Sem o aniversário do ano, não haveria próximo para ser diferente.