segunda-feira, 28 de maio de 2012

CARMIM

A surpresa da vida havia começado dois dias antes de vestido vermelho perdida no meio da rua. Quando viu já tinha olhado e parado para reparar o conjunto. Sensação estranha para alguns dias que ainda não sabiam, seriam carimbados para sempre no passaporte daquela ida.

Personagens de uma história que ainda estava na orelha do livro recém aberto. A noite contribuía e as estrelas renderam olhares trocados e vontades cujas tentativas de encobrir as tornavam mais evidentes. Ela confessou saber.

Desejo. Tesão freqüente a cada língua e abraço constrito. Beijo afogado, molhado, salgado. Não dava para ficar muito tempo longe daquela boca cheia de sorrisos e contos de uns 30 anos. Uniram com cola.

A temperatura de quase inverno trazia na névoa da boca instintos de prazer primitivo. Agarrou o corpo dela pelo braço e com o tato das palmas e das pontas dos dedos sentiu o branco da pele corar com o passeio da barba pelo pescoço. Eriço ofegante.

Ansiedade dobrada e dividida em sessenta miligramas. Vinte para ele, quarenta para ela. Passeio na rua do meio, flores que se fechavam à noite, espelho de mar. Precisavam dormir.

Mais noite, mais dia. Caminharam sobre a água e seguiram juntos desde o nascer no leste até o poente no oeste. Universo de conjunções e gostos complementares. Fazer coisas de um a dois e aprender dinâmicas sem esforço. Fluir. Não queriam ir. Retorno duro para a babilônia com o manto do mesmo céu da despedida.

Com ela tatuada na retina, na manhã de sol da cidade abriu a janela para tentar ver o mar, e tudo que conseguiu enxergar foram os olhos dela dizendo que não queria ir embora daqueles dias.

Tremeu com surpresa e procurou algo para explicar. Terapia cognitiva. Uma palavra, uma imagem. Como os selvagens antes de escrever pintou, mas nem com o desenho feito na rocha com tinta carmim conseguiu explicar o nome disso.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

ERAM TODOS IMPOSTORES

Começou com uma incapacidade temporária de reconhecer alguns rostos, apesar de viverem embutidos em seu mundo desde há muito. Causou aflição, desconforto, esqueceu. Procurou um médico que não identificou a princípio, o seu. Não sabia o que havia.

Voltou para a sua casa para tentar esquecer quem realmente lhe causava tortura. Hibernou, comprou sono em gotas, fumou, comeu, respirou. Não era raro esquecer de expirar. Dúvidas e questões amarradas na mesma decepção do que jamais iria acontecer.

Foi quando percebeu que algo estava errado. Delírio, paranóia, crença ilusória, erro de identificação. Todos haviam sido substituídos. Não eram eles mesmos, eram outros vestidos de iguais. Ela não era ela e por isso tudo estava do avesso. Eram todos impostores, cópias idênticas aos originais. Duplos. Por quê? Esquizofrenia paranóide? Desconfiou.

Precisava desesperadamente de mais um gole. Teriam sido sequestrados e substituídos por cópias irritantemente iguais? Tão iguais que até poderiam ser eles mesmos? Não eram. Tinha certeza que eram falsos. Neurose absoluta.

Talvez até os móveis não fossem os seus. Talvez fossem cópias assim como as pessoas. Cenário montado para enganá-lo. Estava em perigo. Precisava descobrir onde estava seu verdadeiro mundo. O mundo com ela. O universo onde todos os impostores fossem originais. A sua orbe onde tudo era verdadeiro e não aquela farsa montada para parecer realidade. Precisava fugir.para encontrar. Como?

Precisava de ajuda e não podia pedir a ninguém. Todos eram espelhos dos seus. Falsificados. Estava preso ali para sempre. Gritou e rasgou o peito com as mãos. Desespero, desesperança, depressão. Dá prá existir assim?

quinta-feira, 3 de maio de 2012

PARÁGRAFOS CURTOS


Fechou a porta para o lado de dentro da sala, três passos largos e estava na sua cadeira. Recostou, afundou as costas e esvaziou os pulmões para fora. Virou-se levemente para o computador, esticou a mão esquerda e pegou o cachimbo. Com a direita o isqueiro. Clique, ou qualquer coisa parecida. Fogo e Fumaça.

Lembrou-se que escrever parágrafos curtos em contos facilita a leitura. Aprendeu. Nem sempre gostava de parágrafos. Mais um gole de refrigerante verde que estava quente em cima da mesa. Precisava molhar a boca. Servia.

Não vivia sem música. Os ouvidos pediam respirar. John Butler Trio. Letra de música e vontade misturavam. Não sabia quanto tempo podia viver sem. Estava acelerado, mais um trago, mudou a música, estava sozinho. Bipolaridade.

Escrever não estava ajudando. Terapia. Talvez sim, talvez só um personagem. Não se esqueça de lembrar que eu avisei. Isso machuca, as vezes, é só entender. Na grande maioria das vezes não entendem. Tem horas que preferia ficar sozinho, mas não queria dizer que gosta menos do mundo. Simplesmente não suporta. Isolava-se e gostava. Deserto, montanha, só e só isso. Viajava em qualquer lugar.

Saiu da música com alma leve. Três e doze da manhã. Bala de canhão. Oceano. Forte de Santa Bárbara. Proteção da Vila de Nossa Senhora do Desterro. Era agnóstico pelo excesso de religião. Não sabia onde estava indo, mas para ele, aquilo, naquele momento, estava bom. Ia esperar a campainha tocar qualquer dia.