sexta-feira, 27 de abril de 2012

ESPORÃO DO CENTEIO

A cena era dantesca, bizarra. Ácido lisérgico para uso massivo e fins terapêuticos, espirituais e recreativos. Movimento psicodélico em microgramas. Frio, calor, dor de cabeça, analgesia, agitação mental, relaxamento, insônia, pupilas gordas. Languidez, fraqueza, Sensações de extrema alegria e felicidade, medo e angústia.

Um rosto vermelho com chifres pontiagudos surge da fumaça sorrindo com seus dezesseis dentes e olhos diabolicamente luminosos. Fumaça de rolo, flores de cereja. Símbolo de beleza feminina, sexualidade, símbolos do amor em código de homens cuja honra transcende a matéria. Murcharam, enfraqueceram e foram espalhadas pelo vento. Morte perfeita para o guerreiro que viveu com consciência constante. Aceitação da filosofia da natureza transitória de existência. Um bom dia para morrer. Lembrança poderosa de vida passageira. Um hino quase fúnebre.

Outras flores roxas submergiam no rio durante a noite para florescer novamente durante o dia. Expansão e elevação espiritual apesar das raízes fincadas na lama. Busca incessante da luz, desabrochar acima da sujeira. Crescimento. Morte e ressurreição de Osíris. Transforma-te a ti mesmo escrito no livro dos mortos. Individualismo e força. Neblina.

Sete caveiras enfileiradas encaram o vazio de quem passa a sua frente. Umas escondidas, outras aparentes e orgulhosas de suas formas eternas em osso sem carne. Suturas cranianas aparentes. Sorrisos que deixam agnósticos desconfortavelmente seguros. Receio, temor, asco, aversão, ódio, amor.

Tatuou a bad trip na pele, para nunca mais esquecer onde esteve perdido no intuito de se encontrar, e encontrou alguém com quem estava disposto a se perder em outro lugar.

sábado, 14 de abril de 2012

SURDO DE PENSAMENTOS

Era desprovido de sentimentos. Fez um acordo com a vida e ela arrancou da caixa do seu peito seu leque de emoções. A mesma vida que tinha chutado a sua cabeça na ladeira tinha feito um favor. Ele não sentia mais nada. Estava amortecido com cheiro de clorofórmio. Dava prá ver o céu negro nos seus olhos.

Tinha desprezo absoluto por qualquer regra, indiferença à emoção e repulsa a sentimentos. Transtorno de personalidade dissocial. Psicopatia, sociopatia. Ausência de empatia. Indiferença.

Incapaz de sorrir para um sorriso da mesma forma que era incapaz de sorrir para uma desgraça. Não era ruim nem bom. Não era, não sentia, mas tinha lembrança de sentir. Dor. Muita dor. Angústia, psicose, delírio, amor, dor. Morreu pela última vez até deixar de sentir. Não podia sequer dizer que era mais feliz sem sentimentos. Não sabia o que era felicidade.

Desvio de comportamento. Dissociação. Perversão, psicose, neurose. Abuso e atordoamento permanente. Vontade de gritar sem fazer barulho. Abusou do álcool e de substâncias alegres. Foi abusado.

Não tolerava frustração e sua vontade de matar alguém com as mãos crescia com a sua curiosidade de ver alguém morrer. Obscuro. Nulo. Indiferente, apático, passivo, neutro. Surdo de pensamentos.

Impassível. Não ria, não chorava, e a vida não fazia diferença. Não vivia, mas passava todos os seus dias atrás dela, escondido nas travessas, do lado de fora das janelas e no corredor paralelo do supermercado, admirando seu corpo delicioso e imaginando o que poderia fazer para sentir de novo.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

ESSÊNCIA DO PECADO

A essência do pecado. A história deles era a nossa história. Tesão, tara. Quem nunca sentiu? Maria Madalena. Fascínio agudo por qualquer coisa, por bundas e peitos firmes que olham para o teto. Excessos sempre justificados. Ganância por exageros. Abusos, descomedimentos. Quem nunca sentiu?

O que é bom dura pouco. Só prá quem cansa ou enjoa rápido.

Gula, preguiça, avareza, luxúria, ira, inveja e orgulho, ou vaidade? Tudo numa só presença. Sou devorador do seu corpo, mesquinho de sua companhia, adoro entrar e sair da sua alma com raiva de quem ama. Cobiço seu reflexo e tenho soberba nas entranhas pela arrogância da sua beleza que emerge seu rosto cada dia mais insensato. Pintura com biografia para quem não a conhece de perto. Encantamento, hipnose.

Impossível descrever sem sentir. Passar a mão, deslizar pele e lamber a essência do nosso deleite. Saudade mesmo quando você está uma parede acima, uma cozinha abaixo ou apenas um pé do lado. Necessidade de presença permanente e toque em dez pontos que ressaltam, arrepiam ou intumescem.

Peco você nos dedos e na mente. Vontade de ter. Quem nunca sentiu vontade de ter? Até os castos têm desejos. Mas que tipo de desejos? Quem nunca pecou por vontade? Sete em um só. Gosto. O sabor dela, ganância pela exclusividade, destempero pelo desejo alheio. Culpa?

De frente para o espelho, quero seus cabelos nas mãos e seu nome na ponta da língua para dizer no pé do seu pescoço, que essa, é a essência do pecado.