quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

JALOUX

Imaginei você se arrumando. Vestia apenas sua pele branca, calcinha e sutiã pretos e os cabelos recém arrumados, brilhando a luz roubada do caminho por onde você passou. A maquiagem perfeita, os olhos encaixilhados e a boca depravada que coleciona aos montes os sabores do meu corpo. Vestiu a meia calça e então tirou do cabide o vestido preto usado sem calcinha uma única vez num sarau onde seu par era eu. Deslizou o tecido no corpo com languidez expondo um ligeiro arrepio dos seus picos. Vestiu o salto e os brincos que descem até o pescoço saboroso que teima em gritar por meus dentes e o pelo esfolar da minha barba. Minha devassa, gaveta secreta onde deposito meus desejos úmidos imorais. Salpicou o perfume e saiu desfilando êxtase a cada passo. Dentro do carro atraiu olhares inocentes para pervertê-los. Mania de olhar clínico que dá nó no estômago da vítima. A pele branca, com algumas marcas das pontas dos meus dedos conta histórias da manhã recém acordada. Um sorriso e um até logo. Um sorriso e um calor na nuca. Você vai flutuar pelo mundo deixando um rastro de almíscar e sexo. Vai atrair jovens que ainda não conheceram o amor e os maduros que redescobrem o desejo. Irá emergir neles apetites imundos, cultivados em segredo por homens que só o experimentaram a sós no banho, enquanto eu os vivo com você. Também vai causar desconforto naquelas que não podem sequer pensar em se equiparar a seu tudo. Nessa hora que cerro os punhos e fico surdo nos olhos. Sinto ciúme. Ciúme das cantadas sujas e das mais elaboradas. Ciúme dos pescoços que torcem colunas para admirar sua bunda. Tudo o que você carrega é meu. Minha pele das costas embaixo das suas unhas vermelhas e meu exército de cento e vinte milhões de cabeças abatido entre seus rins. Possessão confessa. Tenho ciúme, pois de todos os olhares que te desejam ou simplesmente te contemplam, o meu é o que mais te conhece.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

THE END

Sentada na soleira da porta com a mochila nas costas admirava ferozmente as marcas de tinta espalhadas pelo corpo. Uma em especial era o retrato dela mesma fantasiada. Um desenho simétrico que contava em si uma história longa e permanente do que havia sido temporário.

Havia esquecido o casaco vermelho no banco de trás do carro dele. O casaco com perfume masculino que ela usava nua nas noites de frio antes de se amoitar num dos cantos do sofá. Nunca mais veria nenhum dos dois.

Estirou o braço e buscou a caixa de chicletes num dos bolsos laterais da mochila. Achou uma guimba de cigarro feito a mão. Riu. Não tinha isqueiro e a caixa de fósforos estava molhada por causa da chuva em que havia boiado voltando a pé de ciúme.

Queria ir para um lugar seco como Martini para poder esquecer, como sempre esquecia depois de misturar Dormonid e álcool. Na mochila que permanecia nas costas tinha estilete novo que havia comprado para recortar os cartões de “save the date” e um saco plástico lacrado com o chumbinho que a Vaca da vizinha tinha tentado dar para os seus gatos.

Precisava de uma solução rápida e definitiva, qualquer que fosse. Olhou as unhas vermelhas que naquela manhã de sábado haviam dormido no peito dele. Como seria o domingo? Havia chegado no limite.

Dúvida. Hesitação. Tirou a mochila das costas, abriu o zíper e pegou as duas alternativas. Quem sabe se combinadas? Pensou. Não tinha tendências suicidas. Era covarde. Decidiu que jamais entregaria a carta que havia escrito para ele dizendo saber onde se escondia sua loucura e o motivo da depressão intensa e persistente.

Levantou-se, abriu a porta da frente e foi encarar a casa. Dele, havia sobrado apenas um par de havaianas brancas e um final de copo com uísque aguado. Dela, um conto aos farrapos.

História e lembrança recorrente dos últimos vinte e sete calendários dedicados a espera de um “Olá”.

Olhou no espelho e se despiu. Nua, viu mais dobras e peles elásticas que não existiam e decidiu desejar pelo fim. Afogou-se no pó de uma pilha de roupas amontoadas no chão do quarto com o livro do futuro em branco nas mãos usando a carta como marca páginas, e chorou sua última gota, certa de que aos setenta e oito anos de idade já não restava muito tempo para suavizar qualquer dor. Naquele momento se arrepender já não era opção.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

TENDÊNCIAS HOMICIDAS

Tenho experimentado tendências homicidas. Todos os dias quero ver você gritar e sumir de si. Quero te ver ficar surda e quase perder os sentidos. Minhas tendências homicidas com você são diárias.

Você nunca poderá morrer antes de mim, mas quero te fazer morrer molhada todos os dias. Enterrar seu corpo sob o meu e sentir você perdendo a respiração enquanto sorri e diz não agüentar mais, pedir pelo fim, mesmo que o fim seja efêmero.

Para sentir o gosto mais apurado das minhas tendências homicidas, enquanto morremos quero ficar surdo para ouvir a seus pedidos pela pele, mudo para gemer saliva por seu corpo, cego para te ler em braile.

Tendências homicidas afloram a ansiedade e intensificam o prazer fazendo nascer uma vontade incontrolável de agarrar você aos pedaços com as palmas das mãos e então te torturar com cada um dos dez dedos para ver seu corpo arquear e pedir misericórdia.

Quero arrancar a alma do seu corpo e sentir o cheiro da sua essência, só para descobrir a fonte de tamanha ansiedade de você.

Todas as noites sozinhos quero te sufocar com a língua e sentir sua respiração ofegante. Quero ouvir seu último suspiro e o silêncio absoluto que o segue. Diabolicamente quero te ver morrer toda noite na minha boca.

Tenho experimentado tendências homicidas que me fazem pensar em você de forma recorrente e assustam meus sonhos de prazer úmido e freqüente.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

SONHAVA SER ESCRITOR

Pão com margarina e uma xícara de café preto. Era o que tinha. Maldita mania de insistir num sonho idiota de ser escritor. Salivava imaginando um bife extremamente mal passado com dois ovos fritos com as gemas quase cruas. Não tinha esse prazer há tempo perdido, não por falta de condição, mas por falta de foco. Estava mais preocupado com as letras.

O all star rasgado dava um ar meio cool, meio descolado. Para uns desleixo, para outros falta de dinheiro mesmo. Dizia para as pessoas que tinha uma relação doentia e possessiva com seus calçados. Só usava uma marca. Comprava novo e usava até desmanchar, sem jamais lavá-lo. Criatividade de escritor que pegava excêntrico nas rodas sociais e criava um problema a menos na carteira e no armário.
 
Sua companhia bastava para ele. Sentia-se à vontade com a sombra mas reclamava da luta quixotesca. Vitimista reclamava que até Sancho Pança o havia abandonado. Cansou e foi viver a própria biografia como contínuo num escritório de contabilidade.

Máquina de escrever sobre a mesa, papel branco esperando para ser pintado de letras e nada. Sonhava em ser escritor mas há muito tempo não tinha inspiração ou sua história tinha acabado.

Olhou uma resma de contos empilhados um a um. Único boneco do livro que lhe consumia a vida até aquele momento. Acendeu um cigarro que ele mesmo havia enrolado, tragou fundo e pensou no meio da fumaça. Tinha certeza que acordaria de ressaca na manhã seguinte.

Levantou-se, pegou a pilha de papel e posicionou perfeitamente no centro da lata de lixo. Álcool e um fósforo. Rápido e quase indolor. O melhor recomeço para qualquer livro mal acabado. Suicidou a carreira, trancou a porta pelo lado de fora, e foi escrever outra história.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

RITALINA E CHOCOLATE

O ar tinha cheiro de ritalina e chocolate, pesado e deliciosamente doce, quase viciante. Era uma atmosfera antagônica, cheia de figuras diametralmente opostas, todas quase do mesmo tamanho. Duas janelas em formato elíptico refletiam uma luz âmbar que traziam paz, calma, alegria, hipnotismo, mas que tinham certa dificuldade de alcançar o fundo escuro, e de alguma forma refletiam imagens aleatórias, projetadas do lado avesso. Palavras voavam alucinadamente pelo teto em cúpula que parecia pulsar enquanto cuspia relâmpagos de todos os tamanhos. Medo, alucinação, frustração, sexo, insegurança, tara, amor, trepar, carinho, trabalho, receio, temor, segurança, paz, libido, tinta, papel, formas, dinheiro, copo, corpo, morrer, orgasmos, múltiplos. Das laterais da sala redonda ecoavam gritos ocos, esquizofrênicos, gemidos de prazer, tesão nítido, gozo. A força dos relâmpagos aumentou tão desproporcionalmente que não era possível enxergar por causa da claridade intensa. As janelas estavam fechadas. Meu nome vibrou tremulo em gemido ofegante. Arrepio. A paz se instalou e os relâmpagos mudaram de cor para um tom azulado. Silencio. Eu precisava sair correndo da sua cabeça, para que você pudesse sair da minha.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

PREFERIA SER CEGO

Durante os ataques de ciúme ele costumava gritar para o quarteirão ouvir que preferia ser cego a vê-la de conversa sensual com outro homem.

Ela negava, sempre dizia que a conversa era pudica, e que não havia motivo para toda aquela crise. Mentia sem saber.

Ela tinha a pele pervertida e os olhos devassos. Exalava sexo pelo espírito. Linda, desfilava com todos os seus defeitos de fabricação escondidos do grande público debaixo de muito ansiolítico.

Ele declarava sua paixão todos os dias. Exaltava a beleza do seu miolo e todas as suas curvas saborosas. Ficava tão extasiado de elogiá-la que ao final de cada conversa teimava em roubar um beijo. Ela fingia que não aprovava sem mover o rosto e o sorriso, mas não confiava no amor declarado.

Amantes de alma, perdidos de si pela vida. Ele não cansava de insistir, ela não cansava de questionar por quê?

Afastaram-se por alguns pares de calendários até quando ela o encontra envelhecido na rua, andando com uma bengala e olhar estático, brilhante e perdido. Havia escorrido a vida dos olhos. Nesse momento, com um par manco de olhares, e sem que ele percebesse, foi que ela ouviu seus anúncios dedicados. Ressoaram no eco que ela tinha em si desde o dia que ele partiu por desistência.

Casaram-se semanas depois, e feliz ele se contenta em tê-la no escuro para admirar a beleza do rosto e a delícia das curvas com as pontas dos dedos, e o suor da boca com a ponta da língua.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

BEBERAM O AMIGO

para Eduardo Guedes Pinto

Beberam o amigo no coração. Um hábito estranho que se desenvolveu naquele grupo depois que começaram a descer a ladeira. Óbvio, já haviam passado da desequilibrada adolescência para a vida pronta, formaram famílias, ganharam dinheiro, e estavam começando a morrer.

Um penoso final de biografia. As pupilas já não reagiam e o cérebro não religou. Motor de carro, consertaram mas resolveu não pegar. Um milhão de analogias, todas com o mesmo final inesperado, chocante, assustador.

Muitos repensaram a própria história de maneira verdadeira, sem os discursos básicos do post mortem. O consenso disse que viver era a alternativa e a verdade absoluta. Beco sem saída.

Encheram novamente os copos com cerveja preta. Dava consistência, matava a fome, sustentava mais que pão e na sua formulação altas doses de anestesia.

Uma cadeira vazia e nós no estomago de todas as outras. Fingiam não ver, mas a cadeira agora perpétua, imóvel, espera que num domingo pela manhã alguém durma ali sentado, levante-se, vá embora e volte dias depois. Nunca mais aconteceu.

As pupilas já não reagiam. O cérebro não religou, e quando o coração parou de bater, parou também muitos outros, que para comemorar todas as vidas, principalmente aquela que já não havia, beberam mais uma vez o amigo.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

POESIA DE 1h30

Ele estava jogado no sofá. O cão, o cara, parceiro deitado a seus pés. Nem o cachorro o entendia mais. As coisas não o interessavam. Televisão ligada com alguma imagem que não importa o que era. Pensava nela. Levantou-se, foi até a cozinha fuçar a geladeira como num hábito maldito que precisava executar, apesar de saber que a geladeira estava fazendo eco. Nem uma porra duma garrafa d'água estava ali. Tinha gelo no freezer. No armário havia uma barrinha de cereal, um pacote com quatro bolachas de aveia e um saco de chá instantâneo. Chá, gelo e vodka. Voltou para a sala carregado. Na mesa o copo cheio de vodka quente ao lado da garrafa pela metade. Misturou tudo e mexeu com o dedo. Hábito de brasileiro, no mundo, o único povo que mexe o drink com o dedo. Um gole. Desceu rasgando a garganta. Era melhor esperar o gelo derreter mais um pouco. Pensou nela outra vez e nos Bloody Marys que tomaram juntos. Mais de duas da manhã. No corredor colocou o i-pod no ouvido. A mesma musica. Inevitavelmente pensaria nela. Foi para a cama. Na cabeceira um livro de José Resende Junior: “Mulher Gorila e Outros Demônios”. Lembrou-se de Bang Bang. Texto fantástico. Teve vontade de ler um pouco. A vontade mudou. Transformou-se em vontade de escrever. Pensou qual poderia ser o assunto. Estava feliz e não era efeito do álcool. Pensou que Hemingway tinha razão: "Todos os bons livros se parecem: são mais reais do que se tivessem acontecido de verdade." Taí, iria misturar ficção e realidade, receita antiga, mas com pitadas do seu jeito torto de escrever, e talvez aproveitasse para inventar uma historia qualquer, sobre algum personagem, só pra dizer que pensava nela, e já eram três e meia da manhã.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

OFF

Já não sabia mais quantas vezes aquele pedaço de música se repetia na tela da TV. O filme tinha acabado há horas, e o menu do DVD estava lá pedindo para ser desligado, mas o vôo estava muito alto, naquela altura o que tinha virado barulho já não era perceptível .

O que incomodava sua cabeça naquele momento era o repeteco da cena. Quantas vezes aquilo já tinha acontecido com ele. As músicas do menu eram diferentes, a cena era a mesma.

Deitado num sofá velado em fumaça, os exageros do momento eram evidentes. Tentava esconder algo de si mesmo. De vez em quando ofuscava com sal nos olhos. Desespero socado goela abaixo, as vezes engasgava.

Dentre muitos transtornos, preferiu a sociopatia para poder se entupir de sorvete e chocolate, enchendo o estomago, o ego, e o espaço vazio etiquetado “esconderijo”.

Off. Estava na hora de desligar e apertar o botão do DVD, o que era fácil. Para ele o difícil era decidir o meio que escolheria para pressionar definitivamente o off da cabeça.

Tinha poucas lembranças da infância. Sem parentes para alimentá-las, vivia de outros como se fossem suas, memórias que julgava consistentes. Mãos na cabeça, levou o roteiro daquele filme até onde deu. Estava precisando um pouco dele mesmo. Revirou em todos os lixos conhecidos e não encontrou.

Fechou os olhos esperando não acordar no dia seguinte, era o melhor jeito que conhecia apesar de um único incomodo: o eco da cabeça insistindo com vigor... COVARDE!

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

BARENAKED LADIES

Música alta, “Ois” e Olás”.

Seus peitos olharam para mim, me apontaram como me escolhendo.

Coxas grossas, bem desenhadas queimadas de sol. Pequenos pelos loiros se eriçam da pele. Você disfarça o arrepio na espinha, seu sorriso não.

Mini short e biquíni, os pequenos laços estavam à mostra e o triangulo de água do mar estampado no jeans denunciava.

Olhos pregados nos meus por todas as milhões de vezes que eles se cruzaram. Um copo a mais, um trago a mais, mais perto.

Boca na boca, língua na língua, mais longe dali.

Minhas mãos passeiam pelas tais coxas grossas despenteado aqueles pelos dourados que se erguiam em uma só direção, no tato um arrepio, no pescoço um gemido.

Mãos nos pelos agora cacheados, língua na língua, língua nas pontas, bocas pelo corpo. Bocas nos pelos, pele na boca, boca na boca, línguas que brigam. Triângulos molhados, explosões, arrepios, gemidos, sorrisos.

Tudo se embaralha, miscigena e contorce.

Música alta, o dia já é noite, sorrisos sem despedida.

Seus peitos olharam para mim e me apontaram, como se dissessem até logo.

Amanhã eu penso no que fazer, porque hoje eu levo comigo espalhados no corpo, os restos do que sobrou de você.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

ALGUMAS GARRAFAS DE VINHO

Decidiram que era hora de uma garrafa de vinho. Há tempos insistiam em ir ao restaurante japonês tomar a mesma garrafa de saque que sempre tomaram, mesmo antes da briga que os separou por algum tempo.

Estava na hora de uma garrafa de vinho. Quase uma evolução depois de dizerem se odiar mutuamente. Passionais. Decidiram pela garrafa de vinho pois há alguns sushis atrás já não se provocavam a ponto do castigo permanecer por semanas. Fora que tomar uma garrafa de vinho era sempre legal, além de deixar as pessoas felizes.

Jamais pararam de se ver, mas entre fases mais difíceis na convivência davam-se castigos silenciosos. Não se comportavam um com o outro, ficavam de castigo deles mesmos por algumas semanas. Melhor, já tinham chegado a meses tempos atrás.

Estavam aprendendo a conviver depois de já terem sido melhores amigos, um casal e logo em seguida quase se matarem. As marcas das unhas dela ainda estavam na pele dele. As das palavras dele na cabeça dela. Mas gostavam da presença física um do outro. Da companhia. Então decidiram aprender a conviver.

Sim, coisa de maluco esses dois e por isso foram à garrafa de vinho que sabiam , não ia ser uma, duas, e talvez mais um ou dois copos. Estavam alegres. Haviam se provocado no caminho, mas foram inteligentes a ponto de perceber que uma discussão ali não valeria à pena. Era mais legal sair para o vinho.

Ele foi deixá-la no apartamento. Um prédio recém reformado do centro da cidade. Subiu com ela e no elevador ele roubou um beijo. Ela sem cena ainda disse não, mas ele com toda delicadeza de um Gorila fez que não ouviu. Riram, e ele ainda disse:

- “Tudo bem, amanhã você não vai lembrar disso mesmo...”

Riram mais.

A porta do elevador se abriu e ela saiu. Ainda demorou um pouco para a porta fechar e ele ouviu o grito dela pedindo socorro para achar a chave de casa. Foi ajudar, e foi a vez dela roubar um beijo. Competitiva e feminista não podia ficar para trás. Não se renderia. Precisava mostrar atitude. Com raiva, ela também precisava roubar um beijo.

No meio do corredor, entre a porta da casa dela e o elevador dele, línguas se entrelaçaram e corpos se amassaram por quanto tempo não se tem a menor idéia, afinal o vinho em certa quantidade deixa as pessoas sem muita noção de tempo. Um beijo de fato, afinal ela não podia ficar prá trás, e então disse:

-“Tudo bem, eu não vou lembrar disso amanhã...”

Riram muito, claro, afinal, no mundo deles isso era engraçado. Ele sabia que era hora de ir embora, e foi para o seu elevador. Ela para a porta do apartamento.

- “do próximo eu quero lembrar viu?!”
- “OK! Da próxima vez só uma garrafa de saque!”

Assim a porta do elevador fechou, a porta do apartamento se abriu, e eles riram copiosamente, porque descobriram de novo que uma garrafa de vinho deixa as pessoas felizes, mas duas, e talvez mais um ou dois copos deixa as pessoas felizes ainda mais felizes.

Eu sabia essa história aos detalhes. Cada movimento dela, cada sorriso dele. Ouvi a mesma versão repetida por todos os oito anos, nove meses e dezessete dias que fomos vizinhos, até ela se mudar. Conheci o casal e acompanhei cada dia que ela esperou pela volta dele, que morreu aquela noite com um tiro no peito, disparado pela esposa que o aguardava ao lado do carro estacionado num beco, com um trinta e oito numa mão, e uma garrafa de vinho na outra.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

I CAN'T GET YOU OFF MY MIND...

Trilha sonora ecoando nas paredes vazias - "I can't get you off my mind...". Era verdade, ela não saída da cabeça dele. Uma xícara de café e um cigarro. Estava determinado a esquecer. Mas seus olhos de cristal não paravam de encarar como se estivessem cobrando uma ação. Se mexe, tô esperando! Ele ouvia aquilo rebatendo dentro de sua cabeça que como muitas outras parecia ser normal, mas já tinha tentado lamber o cotovelo e fugir da sombra umas duas ou três vezes. Pensado nela ele sorria. Uma estranha calma fazia com que ele expirasse ao invés de só inspirar. Pensava na praia, no movimento do mar. Em sentar-se a seu lado e olhar o sol mergulhar no mar laranja. Seus olhos de novo e um sorriso de soslaio. Aquilo trazia para ele uma felicidade quase psicótica. Suspirou. Sabia que estava enlouquecendo, era nítido. Pensou em conversar com ele mesmo. Para com isso, vc não tá doido. Mas falar sozinho, mesmo que em silêncio pode ser só mais um sintoma. Ficar quieto. Nessa horas a fumaça sempre ajuda. Defumar. Cruzou os braços e ficou olhando a parede branca onde dava prá ver a música bater e voltar, assim como ela quicava na cabeça dele. Puta que pariu! O que tá acontecendo? A gravidade o puxou. Podia sentir a terra girar. Estrelas marcavam um rasto no céu. Mais devagar por favor! Obrigado. E seu coração se acalmou, quando imaginou seu abraço e um beijo quente naqueles lábios de algodão. Ela era absolutamente perfeita. Coxas roliças sustentavam uma bunda saborosamente consistente. Na anca uma marca de biquíni, talvez por causa do mar onde ele os imaginava. A cintura desenhada como uma saudação aos céus que termina com as mãos posicionadas a sustentar os seios quentes logo abaixo dos bicos rígidos e levemente umedecidos pelo calor. A respiração ofegou. Faltou ar. Respira. Ela era a cúmplice perfeita. Pensava nos dois conversando por horas. Rindo, contando histórias de quem já tinham sido. Personagens. Amantes, parceiros, sócios, amigos. Napoleão e Josephine. Cleópatra e César. Cleópatra e Marco Antonio. Bonnie and Clyde. Que dizer? A terra enfim diminuiu, mas sua ansiedade não. Era isso, enfim a busca tinha acabado. Ele sabia o que queria, e seria com ela. Sobrava só um único problema. Ele não a conhecia...