
Havia esquecido o casaco vermelho no banco de trás do carro dele. O casaco com perfume masculino que ela usava nua nas noites de frio antes de se amoitar num dos cantos do sofá. Nunca mais veria nenhum dos dois.
Estirou o braço e buscou a caixa de chicletes num dos bolsos laterais da mochila. Achou uma guimba de cigarro feito a mão. Riu. Não tinha isqueiro e a caixa de fósforos estava molhada por causa da chuva em que havia boiado voltando a pé de ciúme.
Queria ir para um lugar seco como Martini para poder esquecer, como sempre esquecia depois de misturar Dormonid e álcool. Na mochila que permanecia nas costas tinha estilete novo que havia comprado para recortar os cartões de “save the date” e um saco plástico lacrado com o chumbinho que a Vaca da vizinha tinha tentado dar para os seus gatos.
Precisava de uma solução rápida e definitiva, qualquer que fosse. Olhou as unhas vermelhas que naquela manhã de sábado haviam dormido no peito dele. Como seria o domingo? Havia chegado no limite.
Dúvida. Hesitação. Tirou a mochila das costas, abriu o zíper e pegou as duas alternativas. Quem sabe se combinadas? Pensou. Não tinha tendências suicidas. Era covarde. Decidiu que jamais entregaria a carta que havia escrito para ele dizendo saber onde se escondia sua loucura e o motivo da depressão intensa e persistente.
Levantou-se, abriu a porta da frente e foi encarar a casa. Dele, havia sobrado apenas um par de havaianas brancas e um final de copo com uísque aguado. Dela, um conto aos farrapos.
História e lembrança recorrente dos últimos vinte e sete calendários dedicados a espera de um “Olá”.
Olhou no espelho e se despiu. Nua, viu mais dobras e peles elásticas que não existiam e decidiu desejar pelo fim. Afogou-se no pó de uma pilha de roupas amontoadas no chão do quarto com o livro do futuro em branco nas mãos usando a carta como marca páginas, e chorou sua última gota, certa de que aos setenta e oito anos de idade já não restava muito tempo para suavizar qualquer dor. Naquele momento se arrepender já não era opção.
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