quinta-feira, 16 de agosto de 2012

CALAFRIO

Foto - Nair Benedicto
A nuca estava na fechadura da porta de entrada. Não teve tempo de cair por completo. O cachorro dormia e o violão silenciava no recamier. Do lado direito cavalos carvão davam o tom cinza. Na parede do lado esquerdo o branco e preto. Pensou em palmas puxando forte a alça de tara para encostar a barba atrás do brinco e falar todas as coisas mais baixas que imaginava fazer com ela. Sussurrar “baixices” dentro dos ouvidos. Arrepiar todos os pêlos e inundar alguns. Pecados, perversões, tesão, respiração. Não precisava precisar mais.

Se jogou na poltrona de solteiro que ficava exatamente a quase meio passo do bem-vindo e tentou pentear os braços. Recostou, respirou fundo e tirou da gaveta da mesa de centro que ficava no canto, um cigarro de roça. Não tinha isqueiro. Não ia sair dali e tragou apagado mesmo. I hope that I don't fall in love with you (1) repetia tocando na cabeça. Queria não querer tanto. Pedia que a música abaixasse lentamente para que aparecessem os letreiros. Esperava poder se esconder dela exatamente entre os seus rins, e então passear o gosto no rosto para nunca mais esquecer o arrepio que sentiu na alma. Metade dela na boca e a outra metade espalhada no colchão.

Todos os seus vícios corriam sempre para o pedaço do mesmo mundo, aquele que sorria alastrado em beijos e passeios arrepiadores de vértebras. De dar nó nas costas. Eriço que começa na base da coluna e sobe pelo resto do corpo, contorcendo para sacudir a vontade para fora. Frio, medo e o toque das pontas dos dedos deslizando devagar pelo ar dos cabelos do desenho de corpo. Calafrio.

Senhor absoluto das suas vontades e desejos, mentia para dentro e a falta só aumentava pelo excesso dela na cama dele. Aceitaria ser chamado de canalha em seu chão, pois o suor das baixezas seria o menor dos líquidos dos dois. Precisou morrer de si para ser feliz adorando todas as mulheres no escorrer daquela uma.

(1) Espero não me apaixonar por você – música de Tom Waits

5 comentários:

  1. "Queria não querer tanto. Pedia que a música abaixasse lentamente para que aparecessem os letreiros. Esperava poder se esconder dela exatamente entre os seus rins, e então passear o gosto no rosto para nunca mais esquecer o arrepio que sentiu na alma. Metade dela na boca e a outra metade espalhada no colchão... Todos os seus vícios corriam sempre para o pedaço do mesmo mundo, aquele que sorria alastrado em beijos e passeios arrepiadores de vértebras. De dar nó nas costas." Reverencio suas palavras e me calo. Parabéns, Ma. Beijão!

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  2. A loucura do desejo mais insano bem descrito nas tuas palavras. Uauuuu. Abraços querido!

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  3. Uau..que texto ótimo, já virei fã! Bjs

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  4. E ela uma, se derramou-se, não foi da boca dele nela! Foi do amante que ele era: amante somente dela!

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  5. Ual meu amigo voce se superou! incrível adorei! Intenso, envolvente nos faz agussar ainda mais desejos, fantasias! Parabéns!!!

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