terça-feira, 13 de março de 2012

VOLTANDO PRÁ QUALQUER LUGAR

Estava voltando para qualquer lugar naquela hora. Eram duas e quarenta da madrugada e ele estava arrumando as malas para caminhar só de ida. Travesseiro, os casacos pendurados nela, as havaianas e as facas da cozinha, afinal eram dele e era mais seguro.

Que mais? Separou os livros de arte pois havia um vínculo afetivo. O violão que morava no sofá, roupas de cama e a cama iria buscar no dia seguinte. Também era dele. Ela que comprasse uma nova ou mandasse buscar a velha na casa da mãe. O colchão havia sido o motivo da briga. Ele tinha dormido com muitas naquela cama e ela queria uma nova. Ele havia comprado o colchão há apenas seis meses. Quem ama não faz isso?

As fotos ela mandava depois num pen drive. Deleta. Ela estava separando um monte de caixas. Ele nem sabia que tinha caixas de coisas. Colocar aquilo tudo no carro não seria fácil, mas foda-se. Caminho sem retrovisor.

Engole o espelho e se olha por dentro. Estilhaça. A beleza acabou quando ela cravou as unhas em seu rosto e guardou as mãos no bolso com carne presa nos dedos. As marcas dela estavam no sangue dele. As dele nos pêlos dela. Lavar o cheiro com água era fácil. O problema era tentar apagar as digitais que ele deixou entre suas pernas.

Escova, pasta de dente pela metade, Prozac, Frontal e Rivotril. Tudo dela para ele usar. Suportar. Não mais. Ansiedade, pânico, explosão e catarse. Toma remédio que passa. Purificação, evacuação, purgação. Terror do homem rústico que passou da boa para a má estrela. Iria comer seus frutos, recolhidos do pátio da escola, com outros heróis como ele. Só. Suportou mais do que cabia.

Agressões, gritos. Ouviu o que não queria. Talvez fosse melhor ter olhos de Édipo a correr o risco de vê-la com outro, ou talvez fosse mais simples trocar o colchão. Já era tarde. Perderam o retorno numa viela de muros caminhando em linhas avessas.

Saiu com um estalo metálico e um tremor no punho deixando o amor fumegante no cinzeiro. Sumiu, largando no caminho um rastro de horror e calda vermelha que ninguém teve coragem de seguir para saber onde ia dar.

6 comentários:

  1. ela deu com os ombros, disse que ele nem era importante e que logo ia esquecer metade das coisas boas que passaram, porque a outra metade ela irá recusar até a morte que foi a melhor coisa do mundo que lhe aconteceu nos últimos anos.
    ela acordou no meio da noite e quase telefonou pro amor que partiu.

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  2. Como sempre.... Uma ótima leitura....

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  3. Homem de Deus! A quantia que tu escreves bem!!!rs

    Bah! Nunca consigo ler um texto todo, principalmente quando é muito longo e esse não o é... Por isso e por ser extremamente inteligente,o li e amei...
    Parabéns!

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  4. A dor nos seus diversos estágios nos conforta, faz parte da evolução.

    Visceral!

    Beijão ;)

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  5. Trocar o colchão teria sido mais fácil??? Acho que o mais fácil era ela não complicar as coisas...

    *ÓTIMA LEITURA!!!

    Bjs @RascunhosDaAlma

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