sábado, 14 de abril de 2012

SURDO DE PENSAMENTOS

Era desprovido de sentimentos. Fez um acordo com a vida e ela arrancou da caixa do seu peito seu leque de emoções. A mesma vida que tinha chutado a sua cabeça na ladeira tinha feito um favor. Ele não sentia mais nada. Estava amortecido com cheiro de clorofórmio. Dava prá ver o céu negro nos seus olhos.

Tinha desprezo absoluto por qualquer regra, indiferença à emoção e repulsa a sentimentos. Transtorno de personalidade dissocial. Psicopatia, sociopatia. Ausência de empatia. Indiferença.

Incapaz de sorrir para um sorriso da mesma forma que era incapaz de sorrir para uma desgraça. Não era ruim nem bom. Não era, não sentia, mas tinha lembrança de sentir. Dor. Muita dor. Angústia, psicose, delírio, amor, dor. Morreu pela última vez até deixar de sentir. Não podia sequer dizer que era mais feliz sem sentimentos. Não sabia o que era felicidade.

Desvio de comportamento. Dissociação. Perversão, psicose, neurose. Abuso e atordoamento permanente. Vontade de gritar sem fazer barulho. Abusou do álcool e de substâncias alegres. Foi abusado.

Não tolerava frustração e sua vontade de matar alguém com as mãos crescia com a sua curiosidade de ver alguém morrer. Obscuro. Nulo. Indiferente, apático, passivo, neutro. Surdo de pensamentos.

Impassível. Não ria, não chorava, e a vida não fazia diferença. Não vivia, mas passava todos os seus dias atrás dela, escondido nas travessas, do lado de fora das janelas e no corredor paralelo do supermercado, admirando seu corpo delicioso e imaginando o que poderia fazer para sentir de novo.

6 comentários:

  1. Adorei! Texto e foto sensacionais! bjos aos 2

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  2. Maravilhoso! Combinacão perfeita de palavras e imagem. Viajante. Parabéns!

    meraluz

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  3. Nossa, q texto foda! Muito bom mesmo, arrasou!

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  4. “Não era ruim nem bom. Não era.” (Marcelo Fiore)

    A fome de vida, em alguns, pode manifestar-se em um sombrio apetite de morte. Ótimo, Fiore. Força nas teclas, amigo! Que as letras sejam nossa mola propulsora! Abraço e ótimo domingo!

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  5. É texto perfeito, porque que de sorte: sentimos.

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