segunda-feira, 31 de outubro de 2011

BEBERAM O AMIGO

para Eduardo Guedes Pinto

Beberam o amigo no coração. Um hábito estranho que se desenvolveu naquele grupo depois que começaram a descer a ladeira. Óbvio, já haviam passado da desequilibrada adolescência para a vida pronta, formaram famílias, ganharam dinheiro, e estavam começando a morrer.

Um penoso final de biografia. As pupilas já não reagiam e o cérebro não religou. Motor de carro, consertaram mas resolveu não pegar. Um milhão de analogias, todas com o mesmo final inesperado, chocante, assustador.

Muitos repensaram a própria história de maneira verdadeira, sem os discursos básicos do post mortem. O consenso disse que viver era a alternativa e a verdade absoluta. Beco sem saída.

Encheram novamente os copos com cerveja preta. Dava consistência, matava a fome, sustentava mais que pão e na sua formulação altas doses de anestesia.

Uma cadeira vazia e nós no estomago de todas as outras. Fingiam não ver, mas a cadeira agora perpétua, imóvel, espera que num domingo pela manhã alguém durma ali sentado, levante-se, vá embora e volte dias depois. Nunca mais aconteceu.

As pupilas já não reagiam. O cérebro não religou, e quando o coração parou de bater, parou também muitos outros, que para comemorar todas as vidas, principalmente aquela que já não havia, beberam mais uma vez o amigo.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto muito interessante é para se pensar mesmo.
    Abraços.
    @belcris25

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  2. Maravilhoso esse texto!!!! Lulu,Guinness e Guedão...olha que eu não tinha visto a dedicatória ...
    Imagino quanta emoção p escrever...

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